Caixão usado e cobrança em enterro de bebê escancarou esquema de corrupção em Criciúma

A estrutura criminosa acusada pelo MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) de fraudar licitações para prestação de serviço funerário em Criciúma não gerou apenas prejuízos aos cofres públicos. O esquema também causou constrangimento e ainda mais dor para famílias de baixa renda, que dependiam da prestação de serviço.

Em um dos casos, ao qual a reportagem do ND Mais teve acesso, um bebê de 6 meses foi enrolado em uma coberta e enterrado em um caixão estragado.

Empresa funerária cedeu caixão que já havia sido usado para enterro de bebê em Criciúma, no Sul catarinense

Empresa funerária cedeu caixão que já havia sido usado para enterro de bebê em Criciúma, no Sul catarinense – Foto: Reprodução/ ND

Redução da qualidade para maior lucro, aponta investigação

Conforme o ND Mais mostrou, em outra reportagem, o objetivo do grupo que assumiu a Central de Serviços Funerários era modular, de acordo com seus próprios interesses, os valores e a qualidade das urnas e serviços funerários, mesmo aqueles tabelados, no município.

O edital de concorrência pública estabeleceu critérios para a distribuição de urnas para famílias carentes e indigentes, os quais “não poderão ter redução de quantidade nem de qualidade, sem limite quantitativo, durante todo o prazo de concessão e sem qualquer ônus para a família”. Contudo, não foi isso que aconteceu em Criciúma, mostra a investigação do MPSC.

Os caixões do Grupo 01 (gratuit0) deveriam ser de madeira simples, com acabamento externo em verniz de poliuterano alto brilho, sem visor, com seis alças e duas chavetas simples. A higienização do corpo, acessórios, véu liso sem renda e remoção dentro do município estavam incluídos nas especificações. Todos os serviços deveriam ser oferecidos gratuitamente.

A realidade, segundo aponta o MPSC, era bem diferente. As unidades oferecidas eram muito diferentes, desde o acabamento até a qualidade exibida no mostruário da Central Funerária. As urnas eram de tábuas e compensados, presos por papel colado e grampos. No entendimento do Ministério Público, “além de não serem dignos para o sepultamento, são bastante frágeis”.

À esquerda, o modelo dos caixões que deveriam ser ofertados gratuitamente. À direita, exemplar oferecido pelas empresas investigadas – Foto: Reprodução/ ND

Condições em enterro de bebê chocou moradores de Criciúma

Em 17 de outubro de 2023, uma sessão na Câmara de Vereadores de Criciúma expôs a situação vivenciada por uma família de baixa renda, que perdeu um filho de apenas 6 meses. A assistência social de Criciúma foi procurada para auxiliar nos atos fúnebres do bebê, mas as condições foram precárias e humilhantes.

Durante a sessão, um vereador expôs que foi procurado porque o caixão oferecido apresentava rachaduras e marcas de uso. Segundo a denúncia do MPSC, as imagens repercutiram de forma negativa na cidade. Uma mensagem de áudio da mãe do bebê, que teria sido enviada ao vereador, foi exibida por um jornalista da cidade.

“O véuzinho que tava por cima dele foi um mosqueteiro que eu cortei em casa e levei pra por em cima dele. A coroa de flores, que eu acho que foi injusto, foi um absurdo o valor que eles cobraram, R$ 480,00, e nós não tinha de onde tirar. Foi com a ajuda de uns e de outros que eu conseguir pagar, mas eu não tinha um  real pra fazer o funeral do meu filho”, dizia a mulher na mensagem.

Corpo de bebê foi enrolado em coberta antes de ser enterrado - Reprodução/ ND

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Corpo de bebê foi enrolado em coberta antes de ser enterrado – Reprodução/ ND

Marcas de uso em caixão ofertado para enterro de bebê em Criciúma - Reprodução/ ND

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Marcas de uso em caixão ofertado para enterro de bebê em Criciúma – Reprodução/ ND

Após a exposição do caso, durante sessão, o então secretário de assistência social, Bruno Ferreira, pediu providências para Gilberto Machado, responsável pela Criciúma Serviços Funerários. “Eles mostraram um vídeo na câmara, vou recuperar. E precisamos conversar com a família”, diz ao cúmplice.

Secretário pediu providências após exposição de caixão quebrado em enterro de bebê - Foto: Reprodução/ ND

Secretário pediu providências após exposição de caixão quebrado em enterro de bebê – Foto: Reprodução/ ND

A reportagem do ND Mais tentou contato com as empresas funerárias citadas para que se manifestassem acerca da denúncia, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.

Empresários cobravam de famílias pobres por serviços que deveriam ser gratuitos

Outra ação dos investigados citada na denúncia do MPSC diz respeito ao fato de que o grupo “agregava valor” aos serviços, os quais eram prestados, em geral, a famílias de baixa renda e favorecidas pelo auxílio funeral. Nesses casos, os denunciados determinavam que seus atendentes acrescentassem itens considerados como “serviços funerários facultativos”, aumentando assim o valor total da venda.

Um exemplo citado na denúncia como essa manobra de “agregar valor” ao serviço é a cobrança da tanatopraxia no valor de R$ 1.200, mesmo em sepultamentos ou cremações locais, realizadas a menos de 24 horas do falecimento, sob a falsa alegação de que o corpo iria “vazar” e levantar mal cheiro durante velório. O documento ressalta, inclusive, que no serviço oferecido já existe o procedimento de “tamponamento e aspiração” que integram o rol de procedimentos gratuitos.

Além disso, o documento reitera que, caso fosse necessário, de fato, realizar a tanatopraxia, o procedimento não poderia ser cobrado dos beneficiários do serviço assistencial.

“Nestes termos, em pelo menos três hipóteses, verificou-se que familiares enlutados, muito embora beneficiados do auxílio funeral previsto no art. 5º, inciso I, da LC n. 159/2015 e art. 33 da Lei n. 7341/2018, foram lesados pelas funerárias concessionárias medi ante a cobrança ilegal da quantia de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), para a realização de tanatopraxia”.

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