Cadeia produtiva do carvão e o envolvimento na transição energética justa

Os túneis abertos de forma bem braçal, com picaretas, nos levam de volta ao passado. As minas de carvão fazem parte da história, de um tempo onde a descoberta dessas riquezas, escondidas embaixo da terra, mudaram o curso de toda uma região.

Setores que integram a cadeia produtiva do carvão e outras entidades buscam caminhos para fazer uma transição energética justa para todas regiões de Santa Catarina

Setores que integram a cadeia produtiva do carvão e outras entidades buscam caminhos para fazer uma transição energética justa para todas regiões de Santa Catarina – Foto: Jackson Botelho/ND

As minas de carvão do sul de Santa Catarina começaram a ser exploradas industrialmente na década de 1910. Foi nesse período que surgiram dezenas de minas em uma área que passou a ser denominada Bacia Carbonífera.

A atividade de extração e comercialização do carvão mineral foi durante muito tempo o principal segmento econômico da região sul do Brasil. As minas tiveram um papel importante no desenvolvimento regional, pois muitas pessoas acabaram migrando para trabalhar com o que era chamado na época de ouro negro.

Foi, inclusive, para atender o crescimento do setor que a ferrovia que havia sido inaugurada em 1884 foi ampliada ajudando no escoamento do carvão. Era pelos trilhos que o minério ganhava diferentes destinos. Hoje é para o Complexo Jorge Lacerda, em Capivari de baixo, que toda extração das minas é destinada.

Hoje nós temos seis fornecedores de carvão com minas situadas em diferentes municípios e todo esse carvão, ou seja, 90 ou 95% deste carvão vem para o Complexo Jorge Lacerda para ser consumido aqui”, explica Pedro Litsek, CEO Diamante Energia.

Cadeia produtiva do carvão na geração de eletricidade

O ano era 1957 quando o Complexo Jorge Lacerda era inaugurado, em Capivari de Baixo. Uma grande estrutura que tinha a finalidade de aproveitar parte do carvão mineral extraído nas minas e gerar energia elétrica. Era tempo de desenvolvimento industrial. O Brasil crescia e a termelétrica se tornava fundamental para a segurança energética do país e para a economia da região sul de Santa Catarina.

O CEO da Diamante lembra, ainda, a importância econômica do Complexo. “A maior indústria aqui é disparado é o complexo Jorge Lacerda, então, a gente contribui com quantidade expressiva de imposto de ISS”, ressalta Pedro Litsek.

trem em ferrovia

Complexo Jorge Lacerda é importante centro de geração de empregos e circulação da economia no sul catarinense – Foto: Jackson Botelho/ND

Hoje o setor movimenta, em média, seis bilhões de reais por ano o que representa 30% na economia de 15 municípios do sul catarinense, gerando mais de 20 mil empregos diretos e indiretos. Um setor que se modernizou com o passar do tempo.

A Presidente do Sindicato da Indústria de Extração Carvão SIECESC / Carvão+ destaca os cuidados com a sustentabilidade e com a segurança dos trabalhadores. “Nós trabalhamos com minas totalmente mecanizadas com muita tecnologia. Todo os nossos lavadores de água são tratados e tem inclusive algumas empresas que utilizam essas águas na agricultura. É um setor totalmente controlado e ambientado para as melhores práticas possíveis”, afirma Astrid Barato.

E é do Completo Jorge Lacerda que diariamente saem caminhões carregados com toneladas de cinzas de carvão. O rejeito gerado pela queima para produção de energia elétrica ganha um destino eficiente. Nas tubulações o material que seria descartado se torna um dos principais componentes da indústria do cimento, contribuindo para a redução dos gases poluentes.

O Gerente da Votorantim em Capivari de Baixo conta que a indústria é uma grande parceira da termelétrica na destinação das cinzas. “O grande objetivo da utilização da cinza é a redução de CO2 a indústria cimenteira produz CO2 pela característica que ela tem de utilizar o calcário, então, essa cinza nos auxilia na redução de utilização do clinquer que é a matéria prima do cimento. Substituímos clinquer por cinza de carvão e quanto menos clinquer usar menos emissão de CO2”, conta William Viana.

As mudanças climáticas acenderam um alerta. O planeta passou a pensar em alternativas para frear o efeito estufa. O mundo começou a falar em transição energética. O Brasil criou lei, Santa Catarina também e desde 2022 essas legislações norteiam mudanças visando zerar a emissão de carbono. A Fiesc – Federação das Indústrias de Santa Catarina vem discutindo o assunto pensando em ações de curto e longo prazo.

“Nós temos duas formas: tanto capturando CO2 da chaminé das industrias quanto na captura do CO2 que nós temos no ar ambiente. No ar ambiente nós temos uma concentração acima do desejável, pois o desejável é na faixa dos 300 ppms e hoje nós estamos na faixa dos 410 ppms e por isso precisamos capturar esse CO2. E esse CO2 é oriundo dos combustíveis fósseis que é a gasolina, diesel, petróleo, carvão, gás natural, todos eles emitem CO2”, relata José Lourival Magri, presidente da Câmara de Meio Ambiente e Sustentabilidade Fiesc

Santa Catarina à frente nas pesquisas

Em Santa Catarina, mais especificamente no sul do estado, há tempos se pensa em alternativas. Na sede da Satc – Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão, criada por iniciativa da indústria carbonífera, pesquisas com foco na descarbonização do carvão são realizadas há cerca de dez anos, reaproveitando as cinzas.

O presidente da ABCM – Associação Brasileira do Carvão Mineral vê com bons olhos os resultados alcançados nos últimos anos. “Toda essa questão de tecnologia para dar valor ao subproduto do carvão e estudar a questão da redução do CO2 já está sendo feita desde 2007 e 2008. Primeiro passo foi implantar um centro de tecnologia que começou a ser implantado em 2010 e depois em 2014 a gente pensou num projeto que se materializa hoje com essas três plantas piloto”, destaca Fernando Zancan.

As plantas pilotos são essas estruturas que transformam cinzas de carvão em zeolitas. São pequenas bolinhas, mas que também podem ter formato cilíndrico ou pó. Os estudos mostram que elas podem vir a contribuir, e muito, para o processo de transição energética.

“Um material que tem uma capacidade grande de adsorção, isto é, dentro da zeolita você pode fazer uma série de coisas. Você pode usar a zeolita para produção de detergente, pode usar para a questão do agro como fertilizante com lenta liberação. Hoje o Brasil importa zeolita natural e nós estamos produzindo aqui zeolita sintética, então, é um novo negócio que se gera a partir de um resíduo”, pontua Zancan.

mão de uma mulher segurando um pote com zeolitas

Zeolitas podem ajudar no processo de transição energética justa – Foto: Jackson Botelho/ND

No pátio da Satc outra pesquisa coloca em prática o uso das zeolitas. No local contêineres abrigam um laboratório de cultivo de hortaliça e leguminosas. As salsas verdinhas, fartas e nutritivas são resultado da colocação de zeolitas na terra em substituição aos agrotóxicos.

O Thiago Fernandes Aqui, coordenador da pesquisa, conta que o estudo visa trazer uma nova visão sobre o uso de agrotóxicos nas plantas “o Brasil depende muito de fertilizantes, importamos quase que 85% de todo fertilizante que consumimos, então, é uma iniciativa de realmente colocar a zeolita como protagonista de fertilizante de liberação lenta”.

O experimento com as salsas vem dando tão certo que será realizado, também, em feijão e em soja. O ambiente está sendo preparado para acompanhar o desenvolvimento das plantas nas estufas para, em breve, levar para o campo.

“Primeiro ponto será uma cultura de milho com perspectiva de plantar no mês de outubro e na sequencia uma cultura de soja. São culturas de alta demanda onde a gente pode, de fato, avaliar o desempenho da zeólita frente a outros fertilizantes comerciais”, explica Thiago.

Políticas públicas para Transição Energética

Enquanto as pesquisas avançam as políticas públicas começam a projetar estudos sobre os impactos que as mudanças que virão junto com a transição energética irão trazer, não só para o sul do estado, mas para todas as regiões de Santa Catarina.

O secretário do Meio Ambiente e Economia Verde de Santa Catarina, Guilherme Dallacosta, destaca que a transição energética justa precisa ser para todo estado.

“Se poderá desenvolver um polo de transição energética justa para a região oeste que tem uma base vinculada a agroindústria e no agronegócio e pensar num agronegócio de baixo carbono. Na região norte com o setor metal mecânico muito forte e muito pujante temos que pensar numa descarbonização para esse processo produtivo. E assim, justamente olhar Santa Catarina como um mercado competidor que vai ser cada vez mais exigido que seu produto e sua base econômica tenhma essa preocupação com a descarbonização”, ressalta Dallacosta.

Por isso, os próximos 18 meses serão de análises, de entendimento, de projeções de ações que ajudem o estado a fazer, de fato, uma transição energética justa.

“Para que a gente possa colher o maior número de informações e entregar os produtos adequados apontando quais são as políticas necessárias que serão adotadas a partir deste plano e realmente colocar isso em pratica, desenvolvendo o processo de transição energética”, afirma o secretário do Meio Ambiente e Economia Verde.

E a meta é 2040 para frear a emissão de gases poluentes, para preservar nosso planeta. Mas, fazendo a mudança olhando uma transformação justa que contemple a todos hoje e no futuro.

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