
Há um ano, um crime que parecia ser mais um no município do Cantá, repercutiu como um dos mais marcantes de Roraima. O assassinato dos agricultores Jânio Bonfim, de 57 anos, e Flávia Guilarducci, 50, no dia 23 de abril de 2024, na vicinal do Surrão, segue sem resolução até hoje e o principal acusado, Caio Porto, está foragido.
Na manhã do dia do crime, o casal foi surpreendido por homens armados que invadiram a propriedade rural. Um vizinho foi responsável por levar o casal ao Hospital Geral de Roraima (HGR) e relatou à Polícia Militar que Jânio, ainda consciente, teria relatado que os criminosos chegaram em uma caminhonete S10 branca, desceram do veículo e dispararam contra ele e a esposa.
Jânio morreu com ferimentos na face, tórax e abdômen. Flávia chegou a ser internada, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu seis dias depois.
Um áudio abriu a investigação
Pouco antes de ser baleada, Flávia conseguiu gravar um áudio que se tornaria peça-chave para a investigação. O conteúdo, divulgado com exclusividade pela Folha, revelou o momento em que os suspeitos pressionavam o casal a deixar a propriedade rural.
No conteúdo do áudio, é possível ouvir um dos homens mencionar que a área teria “documentação”. O clima de tensão aumenta à medida que o diálogo avança, com Jânio se recusando a deixar a terra, afirmando: “Agora você vir fazer uma proposta, querer vir tirar eu da terra para levar para outra, falando que esse local aqui é seu“.
Após mais intimidação, o último diálogo entre Jânio e os acusados é interrompido por barulhos de tiros e os gritos desesperados de Flávia.
Disputa de terras

O crime aconteceu na Fazenda 3A, uma área de aproximadamente 167 hectares que estava em litígio judicial. Segundo os relatos, o casal vivia no local há 25 anos, sustentando que possuíam a posse legítima da terra. Do outro lado, Caio Porto alegava ter comprado a propriedade com registro em cartório.
Na época, uma decisão judicial garantia a permanência da família no imóvel até o julgamento definitivo da ação de reintegração de posse.
Caso premeditado?
As investigações conduzidas pela Polícia Civil apontaram que o crime pode ter sido premeditado. Um dia antes do assassinato, em 22 de abril, Caio Porto, Genivaldo Lopes Viana, de 53 anos, e Johnny de Almeida Rodrigues foram até uma casa de tiro e adquiriram 20 munições para arma de fogo. O recibo da compra foi emitido no nome de Johnny.
Na mesma data, Jânio registrou um Boletim de Ocorrência relatando ameaças feitas por Caio. O vizinho que socorreu o casal contou à polícia que estava na propriedade naquele dia para verificar um terreno onde plantaria feijão com Jânio.
Segundo o depoimento, Caio chegou acompanhado dos dois homens, portando uma pistola calibre .380. Ao se aproximar, perguntou quem era o dono da terra. O vizinho, temendo represálias, respondeu que não sabia.
Capitão da PM entre os envolvidos


Seis dias depois do crime, as investigações apontaram o envolvimento do capitão da Polícia Militar Helton John Silva de Souza, de 48 anos. O áudio gravado por Flávia permitiu à polícia identificar que era Helton quem conversava com Jânio momentos antes dos disparos, ao lado de Caio. De acordo com o inquérito, os investigadores concluíram que Caio foi quem atirou contra o casal.
Além disso, Helton Jhon escondeu a pistola calibre 380, arma compatível com os disparos que atingiram Jânio e Flávia. O armamento foi localizado dias depois na residência do capitão, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Prisões, defesa e um foragido: a espera de um julgamento
No fim, quatro envolvidos na morte de Jânio e Flávia foram indiciados. Porém, o principal suspeito, o empresário Caio, segue foragido. Ele teve o nome incluído na lista de procurados da Interpol e é considerado foragido da Justiça desde a conclusão do inquérito.
Helton Jhon chegou a ser preso temporariamente durante a investigação, mas obteve liberdade e foi reintegrado ao quadro da corporação.
As defesas dos principais acusados foram procuradas. O advogado de defesa de Caio Porto, Guilherme Coelho, negou a existência de disputa fundiária e afirmou que a área sempre pertenceu à família Porto. Segundo ele, trata-se de uma questão de regularização fundiária e não de conflito. Já de Helton Jhon, Diego Rodrigues afirma que o capitão não sabia da intenção de Caio.
A família de Jânio Bonfim e Flávia Guillarducci também foi procurada pela reportagem, mas preferiram não se pronunciar devido os acusados estarem soltos. Apesar disso, o caso segue andando na Justiça, mas sem previsão de julgamento ainda este ano.
O post Dois mortos, quatro indiciados e nenhuma prisão: o caso Surrão um ano depois apareceu primeiro em Folha BV.