Blumenau 174 anos: tradição germânica perpetuada em expressões culturais

Neste dia 2 de setembro é celebrado o aniversário de Blumenau, cidade que celebra a maior festa alemã das Américas, que cultiva tradições e arquiteturas germânicas, perpetuando as expressões culturais trazidas pelos imigrantes alemães há 200 anos.


Bauernmalerei, técnica de pintura decorativa que nasceu nas áreas rurais da Alemanha – Vídeo: Talita Kehl e Larissa da Silva/NDTV

Seja por meio da arte ou festividades, o povo blumenauense leva adiante sua cultura, passando para as gerações futuras a importância de manter viva os costumes e história de seus antepassados.

Uma dessas expressões culturais é o Bauernmalerei, técnica de pintura decorativa que nasceu nas áreas rurais da Alemanha. Essa tradição segue firme em Blumenau por meio de artistas como Sandra Regina Bugmann.

A artista explica que Bauernmalerei é uma pintura folclórica que tem como característica ser gestual e espontânea. Em entrevista para a NDTV Record, Sandra explicou que a história da técnica tem várias versões e destacou qual entre tantas é a sua favorita.

“Antigamente, no sul da Alemanha, durante os invernos muito rígidos, eles não tinham como sair de casa, não tinham como trabalhar, por causa da neve. Então ficava a família toda dentro de casa, presa durante meses, com o fogo aceso na lareira, com tudo muito escuro. E assim eles usavam a pintura, desenvolveram a pintura como uma forma de trazer uma alegria para aquele ambiente, para aquela solidão”, contou.

Foi assim, segundo a artista, que a arte foi parar entre os camponeses. “Com saudade da primavera, eles traziam o quê? Os motivos florais, as cenas do cotidiano, porque eles tinham essa esperança de que a primavera já ia chegar”, disse.

Reunidos, em família, eles enfrentavam o frio e as dificuldades juntos, com muita arte. Essa manifestação artística foi revivida por diversas vezes em toda sua história e, segundo Sandra, vem crescendo novamente, não apenas em Blumenau, mas em todo o país.

“Nós temos várias pessoas pintando, só que ainda não está sendo divulgado o suficiente, muitas pessoas não conhecem. É uma arte muito bonita, muito significativa, tem muito a ver com Blumenau, com a cultura germânica, afinal, é uma tradição alemã. Ela tem muito a ver também com o espírito de Blumenau, de resiliência, de superar dificuldades, de todos se unirem e enfrentarem as dificuldades e os desafios do dia a dia”, destacou a artista.

Sandra comentou ainda sobre as pessoas que seguem mantendo viva a tradição em suas casas, produzindo a arte e compartilhando cada pintura com ela após as aulas. “É uma pintura que encanta e, além de tudo, ela tranquiliza, porque essa gestualidade, essa questão, ela segue a tradição dela, de ser algo que une, que te faz voltar para a tua essência”, pontuou.

Clubes de caça e tiro: tradição segue presente em instituições centenárias em Blumenau

Entre as várias expressões culturais mantidas vivas em Blumenau estão os famosos clubes de caça e tiro, instituições centenárias que, desde os primeiros dias da colônia, foram espaços de encontro e preservação cultural, reunindo esporte, lazer e muita tradição.

São nesses locais que as famílias se reúnem para celebrar as tradições trazidas pelos imigrantes alemães, os costumes, fortalecendo os laços da comunidade e passando para as novas gerações a importância de manter viva sua rica cultura.

Clubes de caça e tiro mantém viva a tradição em Blumenau – Vídeo: Talita Kehl e Larissa da Silva/NDTV

A diretora social da Associação dos Clubes Culturais e Desportivos de Blumenau, Jane Maba, enfatiza que a cultura em Blumenau é vasta e intensa, sendo cultivados as raízes dos antepassados em toda a região. Atualmente, na nova gestão da associação, ela busca resgatar a interação entre os clubes.

“Principalmente dos clubes que estão muito despertos, mas fazer com que a união seja mais forte, que sejam resgatadas as raízes, a começar pelas crianças. Por mais  imigrantes que chegam em Blumenau, nós ainda somos conhecidos como uma cidade culturalmente alemã. Por mais que tenha hoje uma população de quase 400 mil habitantes, Blumenau ainda é a cidade-jardim, ainda tem suas festas, suas tradições. A questão é permanecer, cultivar esse local”.

Jane recordou que no Tabajara Tênis Clube foi criada a primeira associação de clubes de Blumenau, que possui uma longa história de resgate dos costumes e tradições. De acordo com ela, ao longo do tempo, sem dar ênfase nas escolas, a cidade foi perdendo um pouco de sua história, como o grupo folclórico e a língua alemã, que estão sendo novamente resgatados.

Atualmente, com 36 clubes na associação, Jane diz que o trabalho agora é fazer com que, através dos presidentes, associados e dos filhos destes, que as crianças comecem desde pequenas a aprender sobre a origem de sua cidade.

“Esse é o nosso papel de associação, fazer a integração dos clubes de caça e tiro. A nossa responsabilidade enquanto blumenauenses é fazer com que essa mola propulsora seja realmente trabalhada para que a gente possa, lá na frente, deixar para os nossos filhos e netos a mesma tradição de cento e poucos anos atrás”, destacou.

O charme das casas enxaimel e o resgate da arquitetura típica alemã

Com características únicas, as casas enxaimel são famosas pela arquitetura que resgata a herança dos imigrantes alemães que vieram para Santa Catarina. Com paredes estruturadas em madeira e preenchidas com tijolos ou pedras, o desenho dessas moradias charmosas brilham aos olhos.

O método resgata a herança dos imigrantes alemães que vieram para Santa Catarina - Talita Kehl/NDTV

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O método resgata a herança dos imigrantes alemães que vieram para Santa Catarina – Talita Kehl/NDTV

Técnica usa encaixe dos caibros de madeira - Talita Kehl/NDTV

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Técnica usa encaixe dos caibros de madeira – Talita Kehl/NDTV

“O método construtivo enxaimel é a denominação dada à estrutura de madeira, que articulada horizontal, vertical e inclinada, formam um conjunto rígido e acabado através do encaixe dos caibros de madeira. É o conceito atual e pode mudar de acordo com o recorte do período histórico, ou mesmo de acordo com o conceito do termo alemão – Fachwerk”, explica a arquiteta e escritora, Angelina Wittmann.

Casas enxaimel representam a arquitetura típica alemã – Vídeo: Talita Kehl e Larissa da Silva/NDTV

De acordo com ela, ao escrever sobre o enxaimel na arquitetura, constatou que houve uma repetição do que aconteceu na Alemanha há 7 mil anos.

“As pessoas chegavam, derrubavam a mata, construíam a casa temporária e depois a permanente. Isso aconteceu no período neolítico. Então eles construíam a ‘cabaninha’, limpavam o terreno, preparavam o pasto, a lavoura. Muitos iam buscar a família só depois que estivesse pronto, com a casa temporária. Então eles trouxeram a técnica de construir enxaimel, que evoluiu, passou por diversos processos e evoluiu de formas diferentes no território dessa grande colônia Blumenau”, completou.

Conforme a arquiteta, ao longo dos períodos históricos, a técnica construtiva recebeu novos elementos e adaptações necessárias para a melhoria de seu desempenho ou mesmo, para sua diversificação de usos, gostos e práticas sociais, sem, no entanto, perder suas características.

A construção detalhada de casas enxaimel segue sendo cultivada na região por Paulo Volles, um dos poucos carpinteiros artífice que ainda domina essa técnica secular. Não bastou apenas aprender o ofício, ele garantiu que o método fosse passado adiante e ensinou o filho.

Volles não constrói o estilo charmoso apenas em Blumenau, mas também leva a técnica para outras partes do Brasil. O carpinteiro explica como é feita a construção da casa, sendo primeiro feita todas as peças, que são numeradas para, na hora da montagem, não ter risco de troca, o que ajuda na agilidade do trabalho. Além disso, ele comenta que para ser considerada uma casa enxaimel, a estrutura não pode ter pregos ou parafusos.

“Tudo é encaixado, tem seu devido encaixe. As peças tem que ter a identificação e, você montando essa casa, em poucos dias está consagrado que é enxaimel”.

Fora a agilidade em construir a casa, ele mantém a tradição com um uniforme diferenciado. A história por trás disso está ligada a simbolismos e significados.

“Primeiro que ele é prático, ele permite uma ergonomia boa de trabalho, você não faz movimentos inadequados. Ele tem bolsos, corrente para pendurar ferramentas, martelo. Os oito botões simbolizam as oito horas de trabalho, não trabalhamos mais que isso em um dia, para nós é uma referência”, explicou Volles.

As casas enxaimel são admiradas por reunir cultura e história em sua arquitetura típica alemã. Mesmo com o passar dos séculos e algumas evoluções, a técnica se mantém presente, sendo passada adiante por pessoas como o carpinteiro Paulo, que reconhece e se orgulha das tradições e legado passados pelos imigrantes há dois séculos.

*Contribuiu o repórter Moisés Stuker

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