‘Vai ficar famoso’: Havan expõe rostos de suspeitos por furtos em lojas; advogados alertam

A empresa catarinense Havan chamou a atenção após implementar uma nova prática: expor nas redes sociais os rostos de pessoas que cometem furtos e tentam aplicar golpes durante compras nas unidades espalhadas por todo o Brasil. O ND Mais ouviu especialistas para entender os limites da divulgação de imagens e o tratamento de dados.

Homem com rosto borrado em publicação compartilhada em perfil da empresa Havan nas redes sociais. Ele usa boné azul escuro e camisa de moletom na mesma cor.

Empresa decidiu mostrar suspeitos em divulgações mensais nas redes sociais – Foto: Redes Sociais/Reprodução/ND

‘Quem roubar na Havan vai ficar famoso’, diz vídeo

Um dos vídeos compartilhados num perfil da empresa nas redes sociais teve mais de 13 milhões de visualizações e pouco mais de um milhão de curtidas. Nos comentários, muitos internautas afirmam que passaram a seguir o perfil apenas para companhar novas publicações semelhantes.

A gigante do setor varejista nasceu em Brusque, no Vale do Itajaí, e tem quase 177 megalojas em diferentes cidades do país, sendo 44 delas somente em Santa Catarina.

Em nota enviada ao ND Mais, a empresa explicou que possui um sistema de monitoramento e registro para fazer a “identificação de suspeitos e criminosos”. (leia a íntegra do posicionamento no fim da reportagem).

Na filmagem compartilhada, a empresa afirma que “quem roubar na Havan vai ficar famoso” e que as imagens serão expostas mensalmente para servir “de exemplo”, já que o sistema de monitoramento possui reconhecimento facial.

Legenda de vídeo divulgado explica que unidades da empresa são equipadas com câmeras de reconhecimento facial – Foto: Redes Sociais/Reprodução/ND

Exposição pode gerar processos

O advogado e mestre em direito, Bruno Schimitt Morassutti, explicou ao ND Mais que a coleta e divulgação das imagens precisa de tratamentos específicos.

“Embora não exista norma que proíba a prática expressamente, não é regular a exposição de imagens privadas para fins de divulgação externa a terceiros, exceto sob autorização de autoridade pública competente”, diz.

Morassutti, que é membro da Comissão Especial de Proteção de Dados da OAB/RS, cita ainda que não há irregularidade no “compartilhamento de imagens com funcionários”, especialmente os do setor de segurança, mas a legitimidade da divulgação a terceiros, até o momento, é um assunto sem posicionamento da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), autarquia que fiscaliza o cumprimento da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

“As pessoas certamente poderiam processar, pois o direito de ir ao Judiciário sempre existe. Por outro lado, na ausência de norma expressa sobre o assunto, é incerto se alguma ação seria procedente”, pontua o especialista.

Monitoramento da varejista possui câmeras com tecnologia de reconhecimento facial – Foto: Redes Sociais/Reprodução/ND

Liberdade de expressão x linchamento virtual

Para o advogado e especialista em direito digital, Eugênio Corassa, as pessoas expostas podem recorrer à Justiça com pedido de indenização por danos morais alegando “criação de situações vexatórias”, além de “promoção de linchamento virtual”.

“A liberdade de expressão não é absoluta e deve ser exercida com responsabilidade, evitando a violação da honra e da dignidade das pessoas envolvidas. Importante lembrar que aqueles expostos publicamente têm direito à ampla defesa em processo judicial, mas a exposição indevida pode levar a um julgamento público desproporcional”, diz Corassa.

“Em tese, as imagens não deveriam ser publicadas sem a devida autorização legal. A prática de exposição pública não é a mais adequada do ponto de vista da lei” – Eugênio Corassa, advogado especialista em LGPD.

Outro vídeo divulgado pela empresa mostra integrantes de uma quadrilha indiciada por usar cartão clonado na unidade da Havan em Vitória da Conquista, na Bahia. Uma das mulheres envolvidas no caso entra na loja com uma criança no colo, que também tem o rosto exposto na publicação.

“O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é bastante rigoroso nesse aspecto e proíbe a divulgação sem autorização legal, especialmente quando se atribui a prática de ato infracional a criança ou adolescente. A exposição indevida de sua imagem e a potencial imputação de crimes representam uma possível violação de seus direitos. Essa atuação pode infringir vários dispositivos legais, como o próprio ECA, a Constituição Federal, a LGPD e o Código Civil”, alerta o advogado.

Criança também teve rosto mostrado em filmagem publicada nas redes sociais da empresa Havan – Foto: Redes Sociais/Reprodução/ND

“Nas redes sociais, certos comportamentos podem ser amplificados e há o risco de outras empresas adotarem práticas semelhantes, gerando danos às pessoas envolvidas e potenciais prejuízos decorrentes de responsabilizações judiciais”, comenta o especialista em direito digital.

“A ideia de que é preciso tomar medidas adicionais para coibir crimes, como a divulgação de vídeos para ‘envergonhar’ os suspeitos – além das medidas já adotadas pelas autoridades – pode levar a comportamentos extremos por pessoas que queiram fazer ‘justiça com as próprias mãos’”.

Veja o posicionamento da Havan:

“Depois da pandemia, a Havan percebeu um aumento significativo de casos de furtos nas lojas, mesmo contando com um sistema de monitoramento 24 horas por dia e uma tecnologia de última geração para identificação de suspeitos e criminosos.

Sempre após a constatação do crime, a Havan toma todas as devidas providências, como acionamento da Polícia Militar para abordagem dos suspeitos e registro do boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia Civil. Entretanto, somente com essas ações não estava sendo o suficiente para a redução dos crimes

‘Por isso, decidimos que vamos expor, mensalmente, em nossas redes sociais, os criminosos que forem flagrados furtando na Havan. A única forma de inibir é a vergonha. Temos notado que, mesmo essas pessoas sendo processadas na justiça, os casos continuam se multiplicando. Isso tem que acabar. As pessoas precisam saber que não ficarão impunes, que o que estão fazendo é crime e serão responsabilizadas por isso’, informa o dono da Havan, Luciano Hang”, diz a empresa, em nota.

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